segunda-feira, 15 de março de 2010

Depoimento do Celton


“Meu nome é Celton, sou quadrinista de rua nascido em Belo Horizonte. Produzo quadrinhos da cidade na cidade. Me insiro e misturo a multidão mas procuro meu espaço dentro dela. Na quinta feira da semana passada quando estava no sinal perto da Praça da Estação vendendo meus quadrinhos, me chamou atenção quando vi passar por mim uma pessoa que trajada roupas que mais pareciam com as que minha vó vestia. A acompanhei com os olhos e percebi que ela entrou na antiga Biblioteca de Engenharia da Federal, um prédio cinza que fica na esquina da Rua Guaicurus com Bahia que julgo eu acabara de se transformar em um lugar de eventos culturais como os demais que agora tem por ali.
Logo que cheguei fui recepcionado por uma educada moça que me perguntou se eu era o cara que vende revistinhas no sinal, surpreendido por ela ter me reconhecido respondi que era eu mesmo e ela até elogiou um dos meus quadrinhos. Peguei-me rindo sozinho da situação quando me perguntou se eu tinha interesse de conhecer uma nova proposta de museu que até poderia me inspirar a produzir uma história.
Resolvi então aceitar o convite. Logo no primeiro ambiente, parecia que eu tinha saído de Belo Horizonte, coisas como o chão de terra batida, a lavoura, o curral e o cheiro de cafezinho passado na hora me fez lembrar um estilo de vida pacata, típica de quem mora na fazenda. Aquelas fotos da família toda reunida, os utensílios, tudo remetia a época do Curral Del Rey. Ouvi ao fundo um som gostoso de violão, fiquei curioso pra ver de onde vinha até que vi pessoas sentadas na escadaria da Igreja da Nossa Senhora da Boa Viagem tocando moda de viola e pensei “É festa no Arraial”. Um outro espaço me pareceu mais tenso, pessoas carregando seus pertences e um senhor, que mais tarde descobri ser Aarão Reis, como se tivesse gritando: “Eu vou chutar a bunda deles!” . Nessa hora percebi que essa tal idéia de modernidade tava mais era excluindo do que agregando, modificando todo um estilo de vida sem considerar suas raízes. Vi morrendo o Arraial e dentro de um contorno construindo uma cidade e fora dele outra. Subindo numa espécie de favela e passando para o segundo pavimento percebi as várias faces desta cidade, vi que este modo permanece o mesmo só que muito maior nos dias de hoje.


Deparei-me com vários ambientes que ilustravam cada década até a atualidade. Logo que entrei na década de dez notei pelas fotos a diferença nas ruas da cidade, muito mais bonita, arborizada, com praças e parques, início de construções como o Palácio da Justiça e outros núcleos de governo. Agora começou a ter mais cara de cidade!
Imediatamente comecei a ouvir o barulho de carros e pessoas transitando, me senti como se estivesse na “Praça Sete” dos anos vinte, ainda mais vendo o “Pirulito” lá dentro da sala. Tinha também o Viaduto Santa Tereza lembrei perfeitamente dos dias que fico ali vendendo meus quadrinhos.
Seguindo um pouco mais à frente, pude ouvir o trote dos cavalos, estava na década de trinta, podendo ver o desfile da cavalaria liderada pelo governador do Estado, em frente ao Palácio da Liberdade, algo realmente muito chique. Era visível o progresso da cidade, a imagem da Rua Caetés com diversos comércios e o bonde que passava por ali, junto ao vai e vem de pessoas.
De repente, fui tele transportado para a Pampulha, perto da lagoa havia uma brisa que me transmitia tranqüilidade, dava uma vontade de ficar ali por horas, aquele silêncio me trazia paz. Eu via a Igrejinha da Pampulha, era a “Era Niemeyer”. A década de 40 estava marcada por obras do arquiteto, a Casa do Baile, o Cassino, o Iate Golf Clube, o Conjunto IAPI e o Palácio das Artes.
O progresso vinha com tudo, a década de cinqüenta estava chegando. A população dobrou de tamanho e havia uma série de prédios cada vez mais altos sendo construídos. O ritmo era frenético baseado no estilo de vida americano. Tudo isso era percebido por meio de estímulos auditivos.
Eis o Pirulito novamente, mas espera aí, na Praça da Savassi? Mas o lugar dele não era na Praça Sete? Calma, calma, não estou ficando doido não, é que a cidade estava ficando pequena demais pra tanta gente, aí para aliviar o trânsito o Pirulito teve que dar uma passeadinha, mas como todos já sabem ele já voltou para o lugar certo. Êta década de sessenta.


Subindo as escadas cheguei à década de setenta, espaço no qual pude ouvir a voz do povo reivindicando seus direitos, só de lembrar me dá um arrepio, parecia estar realmente no meio da manifestação junto àquelas faixas e vozes. Professores da rede pública e operários da construção civil mostraram sua indignação em relação aos problemas econômicos e sociais, mas também com o regime militar. Me lembro de ter ouvido realmente alguma notícia sobre essa greve, mas jamais poderia imaginar que teria sido desse jeito.
Na década de oitenta, pude entrar no vagão do metrô, tudo parecia muito real, os assentos, a paisagem, o som do carro sob os trilhos... posso afirmar que fiz um passeio. Como poderia me esquecer da tão importante vinda do Papa João Paulo II à cidade, milhares de pessoas tomaram a Avenida Afonso Pena e a praça que recebeu seu nome após a visita.
A música estava no ar, era trazida pelos ventos da década de noventa. As partituras andavam pelo chão e era possível ouvir os hits das bandas mineiras que fizeram sucesso na época: Skank, Pato Fu e Jota Quest. Isso até me inspirou a parodiar algumas músicas.
“E se quiser pra onde eu vou
Pra onde tenha informação
É pra lá que eu vou.”
“Tempo, tempo mano velho
Tanta coisa aconteceu
Pra essa cidade.”
“E aqui nesse museu fechado
As coisas são incríveis
Seu jeito de explicar indefectível
Eu adoro o jeito dele, mas pensando bem
Ta na hora de ir embora
Pro futuro uoooo.”
Nada melhor do que sair dessa década musical e descontraída pro novo milênio da cidade, e trazido por ele o título de Capital Nacional dos Bares. Já dizia a música “se minas não tem mar, eu vou pro bar” e como vou, trem bom é sentar em um bar beber uma cerveja gelada e deliciar com essa comida boa di buteco, jogar conversa fora e ver essa mulherada bonita da capital mineira. E todo esse clima de buteco tava ali naquela sala com suas mesas de plástico amarelas, suas cadeiras nas calçadas, seus vendedores de amendoim, seu som típico de risadas e “causos”. E eu percebi que butecar em BH e tão verbo quanto trabalhar, estudar, namorar, vadiar.
Quando eu achava que a viagem pelo tempo já estava na sua ultima parada, me deparo com um 2010 ainda mais moderno, mais grandioso, mais impactante, mais impressionante. Um vídeo em 3D da construção mais falada dos dias de hoje, a Cidade Administrativa de Minas Gerais, a nova sede do governo do estado. Mas não me pergunte porque a outra ficou velha, essa tal de modernidade as vezes é maldosa com essa mania de ditar o que é novo e o que não tão novo assim. Voltando ao assunto do ano, essa nova sede é monumental, faz a gente sentir uma formiguinha no meio da cidade.
Saindo dali vi uma poltrona com uma câmera que me convidava a contar minha história, achei importante esse negócio de lembrar que a cidade não é feita só da história dela mesma no tempo, mas também da história das pessoas que andam por ela.
Com um grande ambiente branco o museu terminava pedindo que eu retratasse a minha previsão do futuro, aquela tela em branco me inspirou a fazer um quadrinho, mostrando com a minha arte como eu lia da história dessa cidade.”




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